Noite Estrelada

9 de maio de 2019

Nasci. Fazia frio naquela noite e não havia uma nuvem no céu. Meu choro rompeu o silêncio como se mostrasse à toda cidadezinha que uma nova vida exigia seu espaço. Corri pelas ruas e ladeiras ganhando intimidade com cada pessoa, paralelepípedo e rachadura na parede. Amava as outras crianças como se fossem os irmãos que não tive. Conhecia aquele pequeno mundo e, em minha mente, ele era enorme. Quando penso em minha infância, me lembro das ladeiras, do azul, dos balões e do céu, sempre limpo e estrelado.
Não sei exatamente quando foi que a imensidão universal da cidadezinha tornou-se ínfima. Foi de uma hora pra outra. Tudo que antes me era familiar, de repente, passou a me sufocar. Os espaços não me cabiam - ou será que era eu que não cabia nos espaços?
Certa noite, após passar horas na cama com os olhos e a mente arregalados, senti um impulso, uma vontade incontrolável de andar. Pus as pantufas e fui primeiro à sala, depois à cozinha, depois ao quintal, à praça, à igrejinha... Subi ao campanário e, de lá, vi algo ao longe que parecia se erguer na direção do céu. Com a curiosidade atiçada, caminhei até o alto do morro e, chegando lá, reparei que se tratava de uma árvore imensa. Dali, ela era maior que a igreja, que a lua, que a própria cidade, era impressionantemente maior do que eu. Me vi insignificante, e só então reparei que estava de pijama e pantufas e que o óbvio seria voltar para casa, mas o ímpeto de caminhar ainda me tomava e a perspectiva da cidade vista de longe só a tornava ainda mais minúscula.
Virei as costas e segui.
Longe da cidadezinha, descobri novos universos, todos imensos até também se tornarem minúsculos. Eu, que só sabia amar, aprendi a querer, a lutar, a cair, a levantar, a olhar pro céu e não ver nada. A bem da verdade, conforme novas preocupações surgiam, fui parando de me importar com o céu. Era como se o peso das contas, das responsabilidades, dos filhos, do mundo me curvasse as costas e me forçasse a olhar cada vez mais para o chão. Me acostumei a olhar pra baixo e a sentir um vazio constante. Julgava conhecer o mundo inteiro sem perceber que minha visão dele ficava a cada dia mais limitada. Foi então que, numa das noites de insônia que se tornavam cada vez mais frequentes, o familiar ímpeto de caminhar me tomou outra vez. Lutei contra a vontade de sair de pantufas por ter adquirido, com as durezas da vida, o medo do ridículo. Saí.
Não sei por quantos dias andei sem rumo até me dar conta de que minha caminhada tivera rumo claro desde o início. Hoje, quando cheguei à árvore no alto do morro e vi, ao longe, minha cidadezinha, eu a senti imensa. A lua clareava o breu noturno e tornava tudo azul: A cidade era azul, as montanhas eram azuis, o céu era azul e se erguia repleto de estrelas. Hoje, quando cheguei à árvore no alto do morro e vi, ao longe, minha cidadezinha, encontrei, finalmente, naquele céu e dentro e mim, a infinitude que passei a vida toda buscando.