Sobre o amor e um belo par de brincos

24 de janeiro de 2013

Eu nunca liguei pra coisas de menininha.
Brincos, colares, maquiagem, salto alto... Pra mim, isso tudo sempre foi desnecessário e chato.
Vivia rindo das meninas que perdiam horas (sim, HORAS) "se arrumando" pra sair de casa.
No auge da adolescência, tinha uma mochila, um sapato de salto, um vestido, quatro calças jeans, quatro pares de tênis e 10 camisetas.
Até aí, tudo bem, cada um com o seu estilo.
Depois de velha perdi um pouco do preconceito e comecei a usar coisas mais femininas, mas nunca fui de frescura, nunca me matei pra pagar um sapato, e nunca, repito, nunca liguei quando perdia uma bijuteria ou algo do tipo.
Porque mulheres perdem bijus, não sei se você sabe disso, mas acontece com certa frequência.
Mas aí, outro dia, você me deu um par de brincos.
Lindo, lindo como nunca achei que acharia um par de brincos.
Tive vontade de pendurar na orelha e sair mostrando pra todo mundo na rua, mas me contive e mostrei só pro pessoal de casa.
Na noite seguinte, fiz questão de usa-los pra sair com você. Me enchi de alegria quando você notou que eu estava com os brincos que você tinha me dado, e quis, naquela hora, que você me arrancasse os brincos, as roupas e me amasse ali mesmo. Mas só saímos de casa e fomos a um bar com os amigos.
Na manhã seguinte, guardei os brincos na bolsa, porque eram lindos demais e brilhantes demais pra se usar durante um dia longe de você.
E qual não foi minha surpresa quando cheguei em casa, abri a bolsa e um dos brincos não estava lá!
Revirei a bolsa, mas só encontrei um dos brincos.
De repente, o dia perdeu a graça e me deu um vazio tremendo. Uma tristeza.
Me deu vontade de chorar.
Sabe, não era só um brinco, era o brinco que você tinha me dado.
Saí correndo de casa, abri o portão e procurei desesperada pela calçada.
Pra minha sorte, ele estava lá. Provavelmente caiu quando tirei a chave da bolsa.
E então o dia voltou a ter graça porque o brinco que você tinha me dado estava ali, comigo.
Porque você estava ali comigo.
Porque entendi, enfim, que tudo que você me dá me transforma, e que eu gosto cada vez mais de mim quando estou com você.

Só no sapatinho

22 de janeiro de 2013

Leonel era um cara honesto, trabalhador, casado e respeitoso. Professor, sempre deu duro para sustentar a família que tanto amava.
Um de seus melhores amigos era Lúcio, que além de grande professor era também um grande galinha.
Cada dia da semana, um dos dois ia de carro e dava carona ao outro.
Era uma boa forma de economizar na gasolina.
Na sexta, foram com o carro do Leonel.
Ao chegar na escola, Lúcio foi informado de que seus alunos não iriam porque era sexta, era noite, o céu estava estrelado e a cerveja do bar da frente era gelada demais para ficarem dentro de uma sala de aula.
Lúcio até gostou. Tinha combinado de se encontrar com uma "delicinha" depois da aula. Não teve dúvida, pediu o carro de Leonel emprestado e foi curtir a noite.
Voltou no fim do expediente pra buscar o amigo e devolver o carro.
No dia seguinte, Leonel colocou a mulher, a sogra e as duas filhas pequenas no carro para curtir o sabadão em família. Todas entraram, Leo ajudou a colocar a filha menor na cadeirinha e se sentou no banco do motorista. Quando foi pegar o freio de mão para soltá-lo, pegou, para sua surpresa, um sapato de salto.
Gelou e tentou disfarçar o susto. Jogou o sapato para baixo do seu banco torcendo pra que a esposa não tivesse notado nada.
Como ele explicaria aquilo?
Algo lhe dizia que o velho "Eu não sei como isso veio parar aqui" não funcionaria. Ele precisava agir, precisava ser rápido e ninguém podia notar. Foi dirigindo em direção ao shopping enquanto esperava pela oportunidade perfeita.
Estava parado no semáforo quando a oportunidade surgiu. Um carro de papai noel atravessou a avenida da frente fazendo a maior farra. Ele esperou que todas olhassem para o outro lado e não teve dúvida, arremessou o sapato pela janela.
Ufa!
Assunto resolvido. Depois ele pegaria o Lúcio pelo pescoço, mas pelo menos do problema maior ele já havia se livrado.
Chegando ao shopping ele estacionou, pegou a filha e já estava se afastando do carro quando teve de segurar o riso, manter a compostura e voltar para ajudar a sogra, que, desesperada e confusa, procurava pelo pé direito de seu sapato novinho.

Branco

16 de janeiro de 2013

Poucas coisas desafiam tanto quanto uma página em branco.

Silenciosa.

Tão cheia de nada e tão aberta a tudo.

Ainda assim, vazia.

Ela que, branca, espera pacientemente que traços a enfeitem ou sujem.

E quantos desses traços não são palavras, mesmo que traduzidas em imagens?

Poucas coisas podem sujar tanto quanto as palavras erradas.

Imagino, em cada folha branca, a brancura enfrentada por Machado, Picasso, Mozart...

Penso em tudo que foram capazes de fazer com suas folhas em branco.

Esqueçam as bombas, o petróleo, o dinheiro. As maiores mudanças humanas foram feitas por pessoas que sabiam como usar folhas em branco.

Por isso, cada vez que me sento diante do computador, peço licença a essas pessoas que mudaram o mundo com suas letras e sentimentos.

Cada vez que alguém diz que chorou ou riu ao ler algum dos meus textos, muito mais que meu ego, minha consciência do valor das palavras aumenta muito.

Hoje, respeito as folhas em branco como quem respeita um deus.

O que não significa que eu não escreva bobagens. Apenas que cada bobagem escrita é pensada e repensada com carinho antes de ser publicada.

É consciente.

Também por isso, muitas vezes, fico longos períodos sem postar nada. E me desculpem.

O Peripécias está vivo, está bem e terá novidades em breve, isso eu garanto.

Que neste ano novo a rotina não interfira na criatividade, os sentimentos transbordem e enfeitem as folhas em branco e que os grandes escritores me perdoem por minhas bobagens, pois, parafraseando Cazuza - que sempre soube muito bem como preencher suas folhas em branco:

'Tem gente que recebe deus quando escreve.
Tem gente que escreve procurando deus.
Escrevo sim, com minhas pontuações mal-colocadas,
E peço a deus que me perdoe, mesmo assim.
Eu sou assim, escrevo pra me mostrar,
De besta.'