Agora falando sério

31 de agosto de 2011

Ontem tropecei num homem.
Um mendigo.
Ele não pulou na minha frente pedindo dinheiro, como muitos fazem.
Não.
Ele estava lá. Deitado.
Dormindo no chão gelado, coberto por um pano imundo, moscas e bolinhas de isopor.
Alguém provavelmente cortou isopor ali perto e o vento carregou as bolinhas pra cima do mendigo.
Mas eu não reparei em nada disso até tropeçar nele.
Lembro-me bem de que, quando cheguei a São Paulo, me assustava com os mendigos a cada esquina que virava. Aliás, não precisava virar esquina nenhuma, eu moro no Largo Santa Cecília, há mendigos por todos os lados pedindo dinheiro pra quem sai do metrô.
Crianças. As crianças eram as que mais me impressionavam.
Imundas, fedorentas, drogadas, largadas no chão.
E as pessoas passavam por elas como se não existissem.
Quando cheguei, tinha ódio desses paulistanos sem coração. Ódio.
Como podiam não notar que havia uma criança jogada no chão?
Como podiam não sentir o cheiro, passar indiferentes diante de tanto sofrimento?
Ontem eu tropecei num mendigo.
Saindo do trabalho, preocupada demais com o que ia beber à noite, distraída demais com a música que ouvia, avoada demais com tantas coisas tão importantes.
Tão importantes que fecharam meus olhos pra um homem que dormia no meu caminho.
Quem mora nessa terra doida que é São Paulo sabe que se for se comover com todos os mendigos que encontra, vai passar todos os segundos da vida comovido.
O paulistano precisa de certa indiferença pra sair de casa.
Mas não pode ser totalmente indiferente.
Ontem eu TROPECEI num mendigo.
Ele não acordou.
Mas eu sim.
E me peguei parada olhando pro teto, horas depois, morrendo de vergonha, lembrando do pano imundo, das moscas e das bolinhas de isopor e me perguntando em que momento exatamente meu coração interiorano tinha endurecido tanto.

Insone

22 de agosto de 2011

Ela tá quase dormindo.
Quase. Dá pra sentir que a respiração tá mais pesada. Acho que vou falar. É, vou falar. Dizem que quando a pessoa tá nessa fase de sono leve ela escuta, mas não ouve, absorve a informação, mas não tem certeza se ouviu mesmo. Se for verdade, é a hora certa. É claro que eu quero que ela saiba, é óbvio, mas e se ela não gostar? O que diabos eu vou fazer se ela não gostar? Sei lá, nunca me senti desse jeito. Que coisa! E se ela gostar? E se ela abrir aquele sorriso lindo dela e me olhar no fundo dos olhos como só ela sabe fazer... O que é que EU vou fazer? Provavelmente vou ficar sem ação. Ela é boa em me deixar sem ação. Tá respirando mais fundo. Cadenciado. E agora, falo ou não falo? E se essa história de falar pro inconsciente for bobagem, quando vou tomar coragem pra falar pra ela de novo? Quando, meu Deus? QUANDO? Acho que é a hora. Se ela não gostar eu finjo que tava dormindo. Boa ideia. Quem fala dormindo é ela, eu sei. Fica linda até quando fala dormindo. Posso dizer que falo dormindo também, ué, por que não? Por que não? Isso, vou falar.
Vou falar.
Que medo.
Mas e se...Ah, dane-se, ou eu falo ou explodo.

Ei, linda...

Eu te amo.

Apenas começamos.

17 de agosto de 2011

Algumas pessoas não precisam de muito pra se tornarem especiais.
Não precisam estar sempre presentes
Não precisam ligar todos os dias.
Não precisam chamar pra festas.
Não precisam de nada disso.
Algumas pessoas, aliás, não se tornam especiais.
São.
Simples assim.
Num mundo hipotético e justo, essas pessoas viveriam pra sempre, ou, se não vivessem pra sempre, chegariam pelo menos até os 100 anos. E ainda assim seria pouco tempo.
Num mundo hipotético e justo, pessoas boas não morreriam aos 24 anos.
Mas o mundo não é justo.
Mais que não ser justo, aliás, é injusto. Injustíssimo.
Hoje, um rapaz cuja música, sorriso e olhar tive o prazer de conhecer, deixa esse mundo injusto e segue em direção ao paraíso no qual sempre acreditou.
Se eu acredito nesse paraíso?
Com todas as minhas forças.
Se não por mim, por ele.
A vida, mais uma vez, se prova curta demais.
Assim como a morte se prova incompreensível.
Aproveita o paraíso, companheiro.
Deixe o violão a postos, a garganta aquecida e o sorriso tinindo.
Foi assim que sempre te encontrei.
É assim que quero te encontrar quando me juntar a você.


"É tão estranho
Os bons morrem jovens
Assim parece ser
Quando me lembro de você
Que acabou indo embora cedo demais"


Em homenagem a Flávio Periotto.
Músico, amigo, anjo.

O Astro

9 de agosto de 2011

Eu sou Geminiana.
Tenho ascendente em Escorpião.
Lua em Escorpião 
E isso não faz a menor diferença.

Pelo menos pra mim.

Ao contrário do que possa parecer, não sou do tipo cética. Me apego às coisas, tento acreditar, não duvido das ciências ocultas e da presença de espíritos.
É sério! Até convivo com um espírito lá em casa (o Ele) que insiste em apagar a luz da sala de vez em quando e reacender quando dá vontade. Não brinco, não tiro sarro, não acendo a luz quando Ele apaga. Ele cuida da casa à noite, Ele gosta de apagar a luz, Ele manda. Temos praticamente um acordo selado. Não me levanto de madrugada pra beber água, Ele continua invisível pra mim, e tá tudo certo.

Mas estou fugindo do assunto, não quero falar de espíritos, quero falar de signos.

É muito fácil pra vocês aí, não-geminianos, acreditarem nesse monte de baboseiras.
Facílimo!
Em algum momento da vida todo mundo tem um amigo que tem uma tia que se veste de hippie e que gosta de ler mãos, búzios, cartas, livros de auto-ajuda...e que, claro, sabe tudo de signos. E essa tia ensina isso pro seu amigo (ou sua amiga), que faz questão de fazer mapas astrais e definir características intrínsecas a cada aluno do colégio.
Sim, isso aconteceu comigo várias vezes. E o papo era sempre o mesmo:

"Áries? Oh! Áries é heroico, aventureiro. Signo de fogo! Touro? Temperamento forte, perseverante! Virgem? Signo da pureza! Leão? Respeitado, popular..."

"Ah, e Gêmeos?"

"Gêmeos é duas caras"

OOOOOPA, peraí! Eu sou de Gêmeos, meu pai é de Gêmeos, meu irmão é de Gêmeos.

Família Cury Reis, vulgo Família Duas Caras.
Prazer.

Não! Me recuso!

Melhor que ver a reação das pessoas quando você diz que é de Gêmeos, é ver a reação quando você diz que, além de tudo, tem ascendente em Escorpião. Parece que você cometeu um crime, amarrou pedra em rabo de cachorro, queimou formiga com lupa, sei lá.

"Gêmeos? Vixi! E seu ascendente? ESCORPIÃO? Caramba...Quê? Oi? Você ouviu isso? Tão me chamando ali, já volto! Adeus".

Ah, me poupe!

E as previsões de jornal, então?

"A passagem de Mercúrio por sua casa quatro faz com que os próximos dias sejam voltados a promover o bem-estar de seus parentes. Sol regente entra em virgem e movimenta sua vida familiar. Cuidado com o que fala e o que ouve, pois pode haver mal entendidos. Número da Sorte: 72. Cor: Laranja"

QUÊ?

Com o passar dos anos, algumas pessoas começaram a tentar me convencer de que era tudo uma questão de interpretação, que, pro meu alívio, eu não necessariamente era duas caras, e que sim, por mais que eu não acreditasse, a posição da Lua e do Sol no momento em que eu nasci influenciaria minha vida inteira.
Dizem que tem gente que nasce com a bunda virada pra Lua. Será que não é a Lua que fica virada pra bunda?
Bom, de qualquer forma, quando nasci ela tava virada pra Escorpião.

Nada contra quem acredita, vamos deixar isso bem claro!

Uma das minhas melhores amigas pretende tatuar o símbolo de Leão.
Isso. Tatuar. No corpo. Pra sempre.
Deixa ela! Não faço a vertente crente chata que bate na porta das pessoas nos domingos de manhã pra falar sobre minhas crenças. Não vou ficar falando que acho os signos uma grande bobagem (nem agora, nem aos domingos pela manhã), mesmo porque ela sabe disso.
O símbolo é bonito, ela gosta, o corpo é dela. Lindo! Eu não faria. Mas vai com fé!

Agora, esperar que EU acredite nisso? Já é um pouco demais.
Eu esperei os nove meses pra nascer e tal, sou paciente, mas e se acontece qualquer coisa e muda isso?
E se minha mãe fica nervosa com algum pênalti mal marcado contra o Corinthians (acontece com frequência) e entra em trabalho de parto mais cedo mudando, acidentalmente, meu ascendente?
Um pênalti poderia literalmente mudar toda a minha vida?
Ah, não, desculpe! Os astros que me perdoem, mas tenho mais o que fazer.