Crescendo

30 de março de 2010

"Você não é de nada, só come marmelada! Você não é de nada, só come marmelada!"
As vozes, em coro, provocavam. Maldosas vozes vibrantes, que reverberavam na mente tristonha do menino mais novo do bairro.
O desafio era difícil. Enfrentar de face aberta a feia face do medo. Fugir dos frios olhos fixos a sua frente.
Só tinha dois jeitos de acabar com as provocações.
Fugir
ou
Pular.
Fugir ele não ia. Tinha já seus seis anos e seria covardia simplesmente se virar e sair correndo sozinho.
Ele sempre era considerado café-com-leite, por ser o mais novo, e agora, diante de toda a turma do bairro, inclusive do irmão mais velho, tinha de provar que já era homem, e não um saco de batatas.
- Ok, eu pulo.
"Ohhh, vamos ver ele pulando então, Paulinho, agacha"
De sacanagem colocaram o menino mais alto do bairro pra ser a "cela". O menino era tão alto que de brincadeira era chamado de Paulinho Não tinha mais jeito ele ia ter que pular se afastou pra ganhar uma boa distância fechou os olhos pediu emprestadas as asas do anjinho da guarda de quem a mamãe sempre falava esqueceu a gritaria dos outros meninos respirou fundo pegou carona no ventosaiucorrendodeuumgritoe...

Voou

El echar de menos

15 de março de 2010

Começou como brincadeira.
Ele com o jeito engraçado e descontraído de sempre jogou cantadas pra ela, como jogava para todas, e ela, ao contrário do que ele esperava, gostou.
Na primeira vez que saíram juntos foram a um sex shop, "só pra dar risada mesmo", como sempre se diz.
Saíram algumas noites pra beber com todo mundo. Três ou quatro vezes.
A partir da segunda vez o "sair com todo mundo" era só uma desculpa, os dois só trocavam olhares entre si e o fato de outras pessoas estarem presentes era mera formalidade.
Sentindo uma atração incontrolável ele tentou ficar com ela.
Não conseguiu...não totalmente.
Algo nela, talvez a vontade estampada nos olhos indo de encontro à boca que dizia que não queria nada, tornava tudo ainda mais incontrolável pra ele.
Depois de muito insistir, muito investir, muito implorar, muito querer, ele conseguiu roubar um beijo que foi retribuído, mesmo que por poucos segundos.
O beijo fez o pescoço dele arrepiar, o coração bater mais forte, o tempo parar e todas essas coisas bonitinhas que dizem que acontece quando se está apaixonado. Se bobear, até sininhos ele ouviu.
Não foram muito além desse beijo, mas o vazio que ele sentiu no dia que foi embora mostrou que nem era necessário muito mais do que isso.
Os dois não estão juntos por mil motivos que não vêm ao caso, mas ele, ao sentir-se vazio com a ausência dela sentiu-se também completo. Tinha outra vez um motivo pra acreditar que podia ser realmente feliz com alguém:
A felicidade extrema que experimentou quando menos esperava, por menos tempo do que queria, com uma intensidade maior do que a permitida.