Nasci. Fazia
frio naquela noite e não havia uma nuvem no céu. Meu choro rompeu o silêncio
como se mostrasse à toda cidadezinha que uma nova vida exigia seu espaço. Corri
pelas ruas e ladeiras ganhando intimidade com cada pessoa, paralelepípedo e
rachadura na parede. Amava as outras crianças como se fossem os irmãos que não
tive. Conhecia aquele pequeno mundo e, em minha mente, ele era enorme. Quando
penso em minha infância, me lembro das ladeiras, do azul, dos balões e do céu,
sempre limpo e estrelado.
Não sei exatamente quando foi que a imensidão
universal da cidadezinha tornou-se ínfima. Foi de uma hora pra outra. Tudo que
antes me era familiar, de repente, passou a me sufocar. Os espaços não me
cabiam - ou será que era eu que não cabia nos espaços?
Certa noite, após passar horas na cama com os
olhos e a mente arregalados, senti um impulso, uma vontade incontrolável de
andar. Pus as pantufas e fui primeiro à sala, depois à cozinha, depois ao
quintal, à praça, à igrejinha... Subi ao campanário e, de lá, vi algo ao longe
que parecia se erguer na direção do céu. Com a curiosidade atiçada, caminhei
até o alto do morro e, chegando lá, reparei que se tratava de uma árvore
imensa. Dali, ela era maior que a igreja, que a lua, que a própria cidade, era
impressionantemente maior do que eu. Me vi insignificante, e só então reparei
que estava de pijama e pantufas e que o óbvio seria voltar para casa, mas o
ímpeto de caminhar ainda me tomava e a perspectiva da cidade vista de longe só
a tornava ainda mais minúscula.
Virei as costas e segui.
Longe da cidadezinha, descobri novos universos,
todos imensos até também se tornarem minúsculos. Eu, que só sabia amar, aprendi
a querer, a lutar, a cair, a levantar, a olhar pro céu e não ver nada. A bem da
verdade, conforme novas preocupações surgiam, fui parando de me importar com o
céu. Era como se o peso das contas, das responsabilidades, dos filhos, do mundo
me curvasse as costas e me forçasse a olhar cada vez mais para o chão. Me
acostumei a olhar pra baixo e a sentir um vazio constante. Julgava conhecer o
mundo inteiro sem perceber que minha visão dele ficava a cada dia mais
limitada. Foi então que, numa das noites de insônia que se tornavam cada vez
mais frequentes, o familiar ímpeto de caminhar me tomou outra vez. Lutei contra
a vontade de sair de pantufas por ter adquirido, com as durezas da vida, o medo
do ridículo. Saí.
Não
sei por quantos dias andei sem rumo até me dar conta de que minha caminhada
tivera rumo claro desde o início. Hoje, quando cheguei à árvore no alto do
morro e vi, ao longe, minha cidadezinha, eu a senti imensa. A lua clareava o
breu noturno e tornava tudo azul: A cidade era azul, as montanhas eram azuis, o
céu era azul e se erguia repleto de estrelas. Hoje, quando cheguei à árvore no
alto do morro e vi, ao longe, minha cidadezinha, encontrei, finalmente, naquele
céu e dentro e mim, a infinitude que passei a vida toda buscando.