Fim

27 de outubro de 2010

Nada.
Foi o que senti ao te olhar entrando pela porta.
De Nada.
Era a minha vontade diante de suas perguntas sobre o meu dia.
Absolutamente Nada.
Foi o que vi nos seus olhos quando disse que não queria mais esperar nada de você.
Assim como nada senti quando você me abraçou, nem vontade de sorrir, nem de chorar, nem mesmo de abraçar, nem nada.
Com os olhos mareados te vi ir embora e cruzar a rua. Microminimalíssima prova de que havia um coração aqui dentro. Rascunho de lágrimas que desapareceu com você na esquina e deu lugar a...nada.
Nadessíssima de nada.
Nada além do vazio deixado pelo Tudo que você tinha sido.

Inspirado num sentimento que vem Do fundo do mar e da alma

Adulta

18 de outubro de 2010

   Foi assim, de repente, esperando bagunça, uma casa destruída, cerveja saindo pelas torneiras, churrasco só com o cheiro da carne, música brega, pessoas bêbadas correndo por todos os lados, beijos e abraços em desconhecidos, que percebi como as coisas estavam diferentes.

   Foi quando entrei naquela casa linda e me ofereceram carne, cerveja, vinho – seco – ou suco, vinagrete e mandioca cozida, quando vi crianças correndo pelo quintal e pessoas mais velhas conversando e rindo moderadamente, foi quando te vi com um chapeuzinho de festa na frente do bolo de aniversário que percebi, minha amiga, que algo havia mudado.

   Você estava mais linda do que nunca, com o sorriso incrível de todos os dias, o carinho absurdo de anos e a amizade que sempre tivemos...mas estava diferente.

Foi assim, num momento de surpresa, em uma noite de festa, que percebi que você havia crescido.

   Era como se tivesse perdido uma pessoa que amava muito e estivesse conhecendo outra, que amava também antes mesmo de conhecer.

Adulta, como dizem...adulta.

   E eu me senti pequena vendo sua felicidade. E me senti grande por ter sido convidada pra estar ali. E me senti criança perto de você. E senti orgulho de estar ao seu lado.

   E me lembrei dos nossos planos “Peter Pan”, das nossas preocupações com prova, da dificuldade de juntar dinheiro pra viajar com os amigos, dos sonhos tão bonitos, tão distantes, tão infantis, e percebi que ainda sonhava os mesmos sonhos enquanto você já realizava os seus.

   Olhando pra você com uma criança no colo e a família do lado só me restou sorrir, e enquanto todos a parabenizavam pelo aniversário, eu a parabenizava pelo crescimento.

Que "Littlemarininha" que nada! Que moleca que nada!
Quando crescer quero ser como você.

Uma história de ficção

7 de outubro de 2010

Vou contar uma história totalmente fictícia e improvável que não sai da minha cabeça.
Um dia, a Moça vai se despedir do amigo que está indo embora e acaba conhecendo um outro cara que vai ocupar o quarto vago. Um cara que não fala português, que veio de algum país frio...vamos chamar esse país fictício de Alemanha.
Ela tenta ser legal, diz que ele pode chamar caso precise, numa boa, sem rodeios.
Ele chama...às duas horas daquela madrugada.
Ela atende e, pacientemente, aguenta as cantadas, as tentativas de abraço, mesmo se sentindo ridícula. Tenta colocá-lo pra fora milhares de vezes, milhares, até que, simplesmente, abre a porta e diz algo educado como: "Get out now, I really need to sleep".
No dia seguinte, a mesma coisa.
Ela, de saco cheio, avisa as meninas que moram com ela sobre o cara, porque, nessa situação hipotética, a Moça mora com mais duas meninas.
As duas também são cantadas pelo alemão, até que decidem parar de atender a porta. Ninguém atende a porta, ninguém sai na sacada, ninguém deixa as janelas abertas para que ele não perceba que tem gente em casa, saem para a rua torcendo para não encontrá-lo nas escadas.
Até que um dia, esse alemão manda uma mensagem para a Moça num site de relacionamentos que aqui, por falta de nome mais apropriado, chamarei de facebook.
Nessa mensagem, ele diz ouvir uma "conversa" íntima da Moça com a respectiva namorada, e oferece ajuda, caso as duas precisem.
Ele sabe da namorada porque, tentando evitar uma aproximação, a Moça disse a ele no primeiro encontro que era comprometida com uma outra moça, enfim. Tudo ficção.
Após ler essa mensagem, a Moça perde o controle, manda o cara a merda em 15 idiomas e acredita que, dali para frente, ele vai entender como as coisas funcionam.

Tudo segue na santa paz por um mês, até que, numa noite, uma das meninas que mora com a Moça abre a porta sem ver quem batia e dá de cara com o alemão:
"Oi...a Moça...estar?"
"Não, a Moça não está."
"Eu precisar lavar minha roupa, se lavar à mão, não secar until sábado. Possow lavar aqui?"
A amiga, embasbacada, diz que não, que a Moça não estar, que ela estar para sair e que ele estar para dar o fora.
Cinco minutos depois essa amiga sai de casa. A Moça, lembrando-se de algo importante, sai na janela e grita esse algo importante para a amiga, que a essas horas, nessa situação hipotética, já estava na garagem.
Ela responde com uma voz estranha.
O que a Moça não sabia é que, quando gritou, sua amiga estava de frente para o alemão, que, na garagem, esperava por ela.
"A Moça não estar, right? Mentirosa!"
Dali em diante a porta voltou a ficar trancada, as janelas voltaram a ficar fechadas e ninguém mais saiu na varanda. Surgiu um medo estranho de aquele cara, de repente, aparecer com uma arma dando tiros a torto e a direita...pessoas estranhas sempre fazem coisas estranhas
É óbvio que tudo isso que contei não aconteceu, que pessoas que vêm de países frios não são tão intrusivas, jamais, mas, imagina se tivesse acontecido...
Acho que ninguém acreditaria.

Sensibilidade

23 de agosto de 2010

Ficaram trancados no quarto durante todo o final de semana, dois dias e duas noites inteiras. Saíam apenas pra comer e ir ao banheiro, depois voltavam e recomeçavam a brincadeira dos corpos, dos toques.
No domingo a noite, exaustos, resolveram que era hora de relaxar, descansar, acariciar as mãos em vez das nádegas, os cabelos em vez dos seios.
Nesse momento lindo ela sentiu algo forte e não se conteve:
"Eu te amo."

"..."

"Você ouviu? Eu disse que te amo."

"Ah...brigado."

"Brigado? Eu acabei de dizer que te amo e é só isso que você tem pra me dizer? Brigado?"

"...MUITO obrigado?"


Nunca mais se falaram.

Sono pesado

16 de agosto de 2010

Acordei depois de uma noite sem dormir, sentei na beirada da cama, procurei meus chinelos por todos os lados, e quando vi que eles voavam pelo teto percebi que estava sonhando. Acordei com a sensação de que a noite havia passado em quinze minutos, levantei na manhã morna, tomei um banho gelado, e fiz um estrago tentando agarrar a xícara de café quente que caiu da pia quando esbarrei pra pegar um bolinho. Senti minha mão queimar com o café e acordei na cama, deitado sobre a mão que na verdade formigava. Olhei no relógio e estava atrasado para o trabalho. Saí correndo feito louco, tropeçando na cama, na porta, no cachorro. Peguei o ônibus vazio, sentei e fechei os olhos, foi quando percebi que nenhum ônibus naquele horário estaria normalmente vazio e que eu não tinha cachorro para tropeçar. Acordei assustado com o toque do celular. Era meu chefe que estava ligando para me demitir por ter faltado três dias seguidos na firma. Comecei a chorar feito criança e ouvi ele me dizer que era para parar de ser maricas e seguir a minha vida. Dei um grito de desespero. Acordei novamente com o celular. Sentei na cama, me belisquei algumas vezes pra tentar acordar e não aconteceu nada. Atendi o celular e era meu chefe, dizendo que eu ia ser promovido pelo meu trabalho das últimas duas semanas. Achei que aquilo também já era demais. Mandei meu chefe a merda e desliguei o telefone.
Esperei.
Continuei esperando.
Dei um grito alto e forte que fez meu vizinho do apartamento de baixo pegar uma vassoura e bater no próprio teto para que eu parasse. Fui até a sala e não havia cachorro. Olhei pela janela e o movimento da rua era caótico. Me belisquei feito um doido e nada aconteceu.
Liguei para o meu chefe e ele não atendeu.
Liguei cinco vezes. Nada.
Sentei na cama. Nada.
Deitei na cama. Nada.
Fechei os olhos com bastante força pra tentar acordar de verdade. Nada.
Foi quando entendi porque minha mãe dizia que dormir de barriga cheia podia fazer mal.

Cadência

8 de agosto de 2010

Estava ofegante, as mãos suavam e o coração não batia, espancava. As pessoas em volta, ao contrário das ideias de sua cabeça, andavam em câmera lenta, falavam em câmera lenta.
Nada do que diziam era interessante, a não ser quando falavam dela. Ela que tinha ficado longe por tanto tempo e agora estava de volta.
Todos haviam se encontrado com Ela, menos a pessoa de mãos suadas e olhos atentos que tentava, a todo custo, se distrair com qualquer coisa que não fosse Ela.
Foi quando aconteceu.
Num segundo que pareceu uma hora, se encontraram, se olharam, sorriram, correram e se abraçaram, num abraço de uma hora que pareceu de um segundo.
A felicidade era tão grande que acelerou ainda mais o coração, e quando achou que ia ter um ataque cardíaco por finalmente estar com Ela, percebeu que estava tendo era um ataque de riso, daqueles que se espalham e contagiam o mundo.
Caminharam de braços dados, com passos cadenciados, para pouco depois cadenciarem também o riso, a respiração, o coração, os movimentos. Seguiam, outra vez de mãos dadas, na mesma direção.

Pra sempre

1 de agosto de 2010

Ele não era bonito, nunca tinha sido bonito, isto estava na cara. Era sim muito divertido, extremamente inteligente e bem mais velho, o que o tornava insuportavelmente atraente.

Ela também não era bonita. Era de natureza extrovertida, e, apesar de ter vivido muito para a idade, achava, como toda adolescente, que sabia de tudo no auge de seus 16 anos.

Ele tinha namorada. Ela sempre soube. O que tornava a relação professor-aluna apenas mais um detalhe picante da relação proibida.

Em meio a conversas sobre física, química e pedagogia, começaram a surgir discussões sobre namoro, relacionamentos e sexo. O horário de aula passou a ser o momento mais esperado do dia. As salas sem câmera da escola eram os esconderijos perfeitos. Os olhares trocados nos corredores, os toques discretos em momentos oportunos, as palavras sussurradas no ouvido em meio ao barulho da multidão de alunos na hora do intervalo e o jogo sempre limpo entre os dois, sem promessas ou mentiras, culminaram numa relação verdadeira, intensa e parcialmente escondida.
Parcialmente porque as pessoas em volta sabiam que acontecia alguma coisa entre os dois. Fato é que ninguém nunca soube o que realmente acontecia.

Não era só amor. Não era só paixão. Não era só amizade. Não era só sexo. Não era abuso. Não era.

Era adoração. Tesão. Confiança. Amizade coloridíssima. Pegada. Carinho. Respeito mútuo. Era algo que esfriaria com a distância mas que não acabaria nunca. Que ficaria guardado dentro dos dois e que voltaria à tona numa rápida troca de olhares, mesmo anos depois.

Ele talvez desistisse da namorada se ela pedisse. Ela certamente desistiria de muita coisa se ele pedisse. Mas isso nem sequer passaria pela cabeça dos dois. “Pedir” não fazia parte do acordo selado sem palavras ou assinaturas, apenas com olhares.
Quando estavam juntos, um encontrava o mundo dentro do outro, e esse mundo bastava.

Somente esse mundo poderia explicar o nome dela naquele testamento.

Quando ele faleceu, 20 anos após o primeiro beijo dos dois, deixou para ela um bom dinheiro e uma carta. A namorada, que já havia se tornado esposa e agora era viúva, lhe entregou tudo em mãos, comentando algo como: "nem sei quem você é, mas seu nome aparecia antes do meu no testamento".
Levou o pacote pra casa e abriu quando o marido dormia. Junto do dinheiro encontrou a única foto que os dois haviam tirado, muitos anos antes, e um recado simples que resumia de forma brilhante um sentimento tão diferente de todos os outros:
"Um dia você me disse que queria conhecer a Europa. O dinheiro é pra essa viagem que sempre quis te dar, mas nunca tive como. Só me arrependo de não ir com você. Só mesmo! Se tivesse outra vida, faria tudo exatamente como fiz, pra não correr o risco de perder o seu sorriso. Para a melhor aluna que tive, que por preguiça aprendeu pouco de física, menos ainda de química, mas tudo de amor. Aprendeu tanto que ensinou o mundo e me encheu de orgulho e conhecimento. Amo você.
A.L."
Foi a primeira e última vez que ele disse que a amava. A impressão que ficou pra ela, no entanto, é que isso tinha sido repetido milhares de vezes naqueles anos.
Deitou na cama, abraçou a carta e, sorrindo, disse para si mesma, "Boa noite, professor, até amanhã". Fechou os olhos e dormiu pra sempre.

Fora!

6 de julho de 2010

Digas o que quiser
Estou Fora!
Muito mais do que os dias
que passam sem demora,
Eu só queria, por segundos,
Teus sorrisos de outrora.

Cartas, mensagens
Esses detalhes que ignoras
São meu jeito de te pedir carinho
De dizer que meu peito chora.
De buscar momentos felizes
Para endireitar nossa história.

Se minha presença não basta
E teus olhos se perdem lá fora
Não me peças pra ser menos criança
E me contentar com as antigas memórias
Foi pela criança que te apaixonastes
Não ouses agora mandá-la embora.

Digas o que quiser
Estou Fora!
Muito mais do que os dias
que passam sem demora,
Quero anos inteiros felizes
Rindo da tristeza de agora.

Engraçadinha

8 de junho de 2010

- ...Blablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blablablablablablablablablablablablablabla
blabla do Apocalipse. O que acha, Cristina?
- Oi?
- O que você acha?
- Ah...desculpa professora, poderia repetir a pergunta completa? Não ouvi direito.
- O que você acha da teoria de Nostradamus sobre o Apocalipse?
- Acho o fim do mundo!
Deu uma risadinha enquanto o resto da sala gargalhava, pegou a mochila e foi embora, deixando a professora com um giz na mão, o olhar perdido e a dúvida se daria a ela um 10 pela criatividade ou um 0, pelo mesmo motivo.

"... Mas vou até o fim"

31 de maio de 2010

Acordou num hospital sabendo que podia definir de várias formas, mas que só sendo bem direta explicaria a agústia que sentia naquele momento: a vida dela era uma merda.
Nasceu feia, careca e banguela como todos os outros bebês, mas sujava mais fraldas do que os outros, como sua mãe insistia em relembrar trinta e cinco anos depois.
Na escola não se dava bem com matemática, física, biologia, química, português...não se dava bem com nada, na verdade, e não por falta de arroz e feijão como sugeriu uma das professoras do primário.
Com muito esforço terminou a escola. Queria estudar arquitetura.
Não passou.
Prestou Design.
Não passou.
Artes.
Não passou.
Então decidiu prestar algum concurso público, mas também não passou.
Foi trabalhar na empresa do pai. Ela não queria ser fabricante de fraldas geriátricas, mas o salário compensava.
Sempre gostou de esportes. Era gandula de futsal, muito baixinha pra vôlei e basquete, muito gordinha pra correr maratona. Torcia pelo Rubinho na Fórmula 1. Para o futebol carioca no campeonato brasileiro.
Os dois namorados que teve na vida a trocaram por sua prima e sua mãe, respectivamente. O que, claro, causou o fim do casamento dos pais e o fim do namoro, ao mesmo tempo.
Começou a beber pra afogar as mágoas e em dois meses desenvolveu uma úlcera digna de cirurgia.
Teve de vender o Chevette pra pagar a cirurgia.
Sofreu na recuperação.
Voltando do hospital o ônibus onde ela estava bateu num poste no canteiro central de uma avenida movimentada. Ninguém se machucou.
Só ela, que quebrou a perna.
De saco cheio foi pra casa, pegou o revólver que o pai escondia numa gaveta pra caso a ex-mulher resolvesse aparecer de novo, carregou, apontou pra cabeça e atirou...
Acordou num hospital sabendo que podia definir de várias formas, mas que só sendo bem direta explicaria a agústia que sentia naquele momento:
A vida dela era realmente uma merda.