Pra sempre

1 de agosto de 2010

Ele não era bonito, nunca tinha sido bonito, isto estava na cara. Era sim muito divertido, extremamente inteligente e bem mais velho, o que o tornava insuportavelmente atraente.

Ela também não era bonita. Era de natureza extrovertida, e, apesar de ter vivido muito para a idade, achava, como toda adolescente, que sabia de tudo no auge de seus 16 anos.

Ele tinha namorada. Ela sempre soube. O que tornava a relação professor-aluna apenas mais um detalhe picante da relação proibida.

Em meio a conversas sobre física, química e pedagogia, começaram a surgir discussões sobre namoro, relacionamentos e sexo. O horário de aula passou a ser o momento mais esperado do dia. As salas sem câmera da escola eram os esconderijos perfeitos. Os olhares trocados nos corredores, os toques discretos em momentos oportunos, as palavras sussurradas no ouvido em meio ao barulho da multidão de alunos na hora do intervalo e o jogo sempre limpo entre os dois, sem promessas ou mentiras, culminaram numa relação verdadeira, intensa e parcialmente escondida.
Parcialmente porque as pessoas em volta sabiam que acontecia alguma coisa entre os dois. Fato é que ninguém nunca soube o que realmente acontecia.

Não era só amor. Não era só paixão. Não era só amizade. Não era só sexo. Não era abuso. Não era.

Era adoração. Tesão. Confiança. Amizade coloridíssima. Pegada. Carinho. Respeito mútuo. Era algo que esfriaria com a distância mas que não acabaria nunca. Que ficaria guardado dentro dos dois e que voltaria à tona numa rápida troca de olhares, mesmo anos depois.

Ele talvez desistisse da namorada se ela pedisse. Ela certamente desistiria de muita coisa se ele pedisse. Mas isso nem sequer passaria pela cabeça dos dois. “Pedir” não fazia parte do acordo selado sem palavras ou assinaturas, apenas com olhares.
Quando estavam juntos, um encontrava o mundo dentro do outro, e esse mundo bastava.

Somente esse mundo poderia explicar o nome dela naquele testamento.

Quando ele faleceu, 20 anos após o primeiro beijo dos dois, deixou para ela um bom dinheiro e uma carta. A namorada, que já havia se tornado esposa e agora era viúva, lhe entregou tudo em mãos, comentando algo como: "nem sei quem você é, mas seu nome aparecia antes do meu no testamento".
Levou o pacote pra casa e abriu quando o marido dormia. Junto do dinheiro encontrou a única foto que os dois haviam tirado, muitos anos antes, e um recado simples que resumia de forma brilhante um sentimento tão diferente de todos os outros:
"Um dia você me disse que queria conhecer a Europa. O dinheiro é pra essa viagem que sempre quis te dar, mas nunca tive como. Só me arrependo de não ir com você. Só mesmo! Se tivesse outra vida, faria tudo exatamente como fiz, pra não correr o risco de perder o seu sorriso. Para a melhor aluna que tive, que por preguiça aprendeu pouco de física, menos ainda de química, mas tudo de amor. Aprendeu tanto que ensinou o mundo e me encheu de orgulho e conhecimento. Amo você.
A.L."
Foi a primeira e última vez que ele disse que a amava. A impressão que ficou pra ela, no entanto, é que isso tinha sido repetido milhares de vezes naqueles anos.
Deitou na cama, abraçou a carta e, sorrindo, disse para si mesma, "Boa noite, professor, até amanhã". Fechou os olhos e dormiu pra sempre.

1 pitacos:

Marina disse...

Sabe que eu não sou fã de histórias entre alunos e professores? Talvez porque tenha testemunhado algumas e elas nunca me convenceram como amor.

Apesar disso, eu adorei a sua história. Me convenceu.

Beijos.