"... Mas vou até o fim"

31 de maio de 2010

Acordou num hospital sabendo que podia definir de várias formas, mas que só sendo bem direta explicaria a agústia que sentia naquele momento: a vida dela era uma merda.
Nasceu feia, careca e banguela como todos os outros bebês, mas sujava mais fraldas do que os outros, como sua mãe insistia em relembrar trinta e cinco anos depois.
Na escola não se dava bem com matemática, física, biologia, química, português...não se dava bem com nada, na verdade, e não por falta de arroz e feijão como sugeriu uma das professoras do primário.
Com muito esforço terminou a escola. Queria estudar arquitetura.
Não passou.
Prestou Design.
Não passou.
Artes.
Não passou.
Então decidiu prestar algum concurso público, mas também não passou.
Foi trabalhar na empresa do pai. Ela não queria ser fabricante de fraldas geriátricas, mas o salário compensava.
Sempre gostou de esportes. Era gandula de futsal, muito baixinha pra vôlei e basquete, muito gordinha pra correr maratona. Torcia pelo Rubinho na Fórmula 1. Para o futebol carioca no campeonato brasileiro.
Os dois namorados que teve na vida a trocaram por sua prima e sua mãe, respectivamente. O que, claro, causou o fim do casamento dos pais e o fim do namoro, ao mesmo tempo.
Começou a beber pra afogar as mágoas e em dois meses desenvolveu uma úlcera digna de cirurgia.
Teve de vender o Chevette pra pagar a cirurgia.
Sofreu na recuperação.
Voltando do hospital o ônibus onde ela estava bateu num poste no canteiro central de uma avenida movimentada. Ninguém se machucou.
Só ela, que quebrou a perna.
De saco cheio foi pra casa, pegou o revólver que o pai escondia numa gaveta pra caso a ex-mulher resolvesse aparecer de novo, carregou, apontou pra cabeça e atirou...
Acordou num hospital sabendo que podia definir de várias formas, mas que só sendo bem direta explicaria a agústia que sentia naquele momento:
A vida dela era realmente uma merda.

1 pitacos:

Bonaldi disse...

Ow, muito boa a personagem!!
Esrcreve mais sobre (ou com) ela!