A man and the blues

18 de outubro de 2012

Entrou em casa, tirou os sapatos, ligou um blues e se sentou no chão da sala.
Mandou às favas o fato de que não fumava havia anos, vasculhou a gaveta do armário e ali encontrou um Marlboro que nem sabia por que guardava.
Aquele blues pedia um cigarro, e o corpo, vazio de tudo, pedia alguma coisa.
Decidiu que aquela "alguma coisa" era fumaça e deu o primeiro trago.
Sentir-se vazio era estranho.
Não estava triste. Não estava alegre. Não estava nada.
E o nada, profundo daquele jeito, o angustiava mais que tudo.
A fumaça entrava e saía de seu corpo, enevoando o ambiente e deixando, de fato, alguma coisa dentro dele, mas não exatamente o que ele queria.
Abriu então um uísque que havia ganhado de um amigo anos antes. Caubói.
Aquele blues pedia um uísque, e seu corpo precisava de mais que fumaça.
Os acordes lhe enchiam os ouvidos, e a voz do cantor, tão rouca quanto sua guitarra, lhe enchiam a cabeça.
Pensava em tudo que havia acontecido, nos momentos alegres e tristes. Lembrava-se das histórias, não como se as tivesse vivido, mas como se as tivesse escutado da boca de outra pessoa.
Analisava cada momento da vida a dois como se fosse uma terceira pessoa que nada tinha a ver com as brigas e reconciliações constantes.
Não sentia nada.
Começou a mexer os pés acompanhando o ritmo e, quando viu, já dançava sozinho na sala.
Olhos fechados, meio sorriso no rosto.
Deixou que uma sensação boa tomasse conta dele, da sala, do mundo todo.
Uma sensação sem nome. Estava cansado de ter que definir tudo.
Sentiu que o corpo se elevava a cada trago, crescia a cada nota. Dançava como se fosse recheado de música e nada mais existisse. Sorria sem motivo e, ao pensar nisso, sorria mais ainda.
No auge de sua completude, de olhos fechados e peito aberto, sentiu uma dor intensa nos dedos da mão.
Voltou instantaneamente ao chão.
Havia se queimado com o cigarro.
Jogou a bituca no lixo da cozinha e, quando voltou à sala, a música também chegava ao fim. Ficou parado, esperando os acordes finais.
Sol com sétima, fá com sétima, dó com sétima.

Dó.

Silêncio.

Olhando para o nada, pôs o copo sobre a mesa, desligou o rádio, apagou as luzes e foi para o quarto, sozinho pela primeira vez em anos, jurando para si mesmo que, nem naquele momento, nem nunca, deixaria que sua vida terminasse como a música.

2 pitacos:

Glauce disse...

Muito bom! Ja passei por momentos do tipo "Se eu fumasse eu fumaria agora"... o momento pede. Mas eu não fumo.. então respiro fundo e solto o ar como se tivesse colocando pra fora as coisas ruins em uma fumaça imaginária.

Marina disse...

É péssimo quando uma música boa acaba. Nunca é a mesma coisa ouvir de novo. E isso serve não só para música.