Mini-Cérbero

14 de março de 2012

"Na mitologia grega, Cérbero era um monstruoso cão de múltiplas cabeças e cobras ao redor do pescoço que guardava a entrada do Hades, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os mortais que por  se aventurassem".


Ok, legal, guarda a informação.

Você tem irmãos?
Isso, irmãos! Aqueles seres que não têm nada a ver com você, mas que todos dizem que são a sua cara.
Bom, eu tenho dois. Três, se for contar minha irmã de criação, a Sandra. Quatro, se for contar com a Biba.
De sangue mesmo tenho dois, o André e o Heitor.
Eles aparecem aqui no blog vez ou outra, normalmente citados como "pirralhos" por um motivo óbvio: é isso que eles são.
Um pirralho de 22 e outro de 20 anos.
Mas vamos começar do começo.
Eu era uma criança feliz e mimada de um ano e oito meses quando minha mãe foi pro hospital e voltou mais magra e com aquele chato nos braços. O chato recebeu o nome de André.
Não, eu não me lembro da chegada dele, mas fotos comprovam a violência com que ele chegou ao mundo para acabar com a minha paz.

André, violento desde tenra idade 

Ele era uma peste. Chorava por tudo! Eu não podia nem encher o menino de beliscões que ele abria o bocão no mundo. Um mala.
E não adiantava reclamar, tudo era culpa minha, ele chorava, a culpa era minha, ele puxava meu cabelo, a culpa era minha, eu rabiscava a cara dele com caneta, a culpa era minha.
Vamos admitir que o mundo não é lá muito justo com os primogênitos.
As coisas eram complicadas, mas dava pra manejar a situação. Quando comecei a ter tudo sob controle, minha mãe saiu, foi pro hospital e voltou novamente mais magra e com outro moleque no colo.
Na minha cabeça, ela trocava gordura por moleques. Uma troca que eu até acharia justa, se não me afetasse diretamente.
Mais um irmão. Mais um pirralho. Bom, é claro que as coisas saíram dos eixos. As atenções, que antes eram minhas e eu tive que aprender a dividir com o André, agora teriam que ser divididas entre os três.
Com a desculpa esfarrapada de que meu irmão mais novo não conseguia nem sentar de tão molenga, meus pais destinavam mais atenção a ele. Eu fiquei lá, jogada às traças, sem meu lugar - antes cativo - no colo do meu pai. 

Eu, após a chegada do pirralho, totalmente deslocada  

Sabe o que é mais complicado dos irmãos? Eles obrigam a gente a dividir as coisas.
A atenção dos meus pais foi a primeira coisa que me obrigaram a compartilhar. Depois veio o quarto, os brinquedos, os doces, o colo da avó...
O tempo foi passando e as coisas só complicaram.
As brigas viraram treinos de luta livre.
Até os dois ficarem maiores do que eu, a coisa funcionava assim: eu batia nos dois, o Heitor batia no André, o André apanhava dos dois e meu pai batia nos três, inclusive no André, pra ele parar de ser besta e reagir.
A gente se gostava, é bom deixar isso claro. Apanhávamos juntos, mas também brincávamos juntos. A gente dividia a atenção, o amor, mas também dividia as tarefas domésticas, dividia o chocolate, mas também dividia a tristeza na hora de comer legumes.
É o tipo de relação que não dá pra ter com amigos, por exemplo.
Os amigos sempre caem fora na hora dos legumes.
Apesar de os três terem saído da mesma barriga as ideias não poderiam ser mais diferentes. Eu virei tradutora, o André, engenheiro químico, e o Heitor, designer, ilustrador, folgado, algo do tipo.
Um gosta de esportes, outro de culinária, outro de séries americanas, é o samba do crioulo doido.
Mesmo assim, a gente se parece muito.
Houve um tempo em que eu ficava brava quando alguém dizia que meus irmãos eram parecidos comigo. Hoje eu sinto um orgulho tremendo disso.
Mais que parecidos, eu diria, somos um só.

Muito bem, era aí que eu queria chegar, volta no Cérbero.
No auge da nossa infância, meados dos anos 90, alguém tirou uma foto de nós três. É uma foto tão bonita e importante que a gente tenta reproduzir todos os anos, com as mesmas posições e feições.
Meu irmãozinho designer decidiu fazer uma ilustração baseada na foto e optou, não por acaso, em nos desenhar como Cérbero.
Não tanto pela monstruosidade ou pela proximidade do bicho com o inferno, acho que mais pelo fato de as três cabeças serem, na verdade, parte de um único ser.

Ma, Toti e Dé
Mini-Cérbero


É o que eu acho né, pode ser que ele estivesse pensando apenas nos portões do submundo.
Fato é que esse Cérbero engraçadinho e inocente, como a gente na foto, mostra um laço lindo.
Na alegria ou na tristeza, no chocolate ou no legume, esses moleques vão ser sempre parte de mim.
Não a parte mais bonita, é claro, mas sem dúvida nenhuma a mais importante.

5 pitacos:

Anônimo disse...

Tenho duas irmãs. E admito que meu mundo, às vezes, é ruim com elas, mas pior seria se não existissem.

Natalia Máximo disse...

Olha, você fala que ser primogênito é difícil, mas é pq você não é caçula. Cara, a gente sofre MUITO! Tenho só um irmão, que é nove anos mais velho que eu - acho que ele aproveitou esses nove anos de filho único pra aprimorar a folga, porque olha...
Mas, independentemente de qualquer coisa, não trocaria por nada. Meu irmão, meu herói (só não conta pra ele, por favor hahaha)

bor disse...

marininha, linda! ó, só pra dizer que este seu texto me comoveu muito, viu! fiquei pensando: se vocês são cerberamente tão unidos, então quem é amigo de um, automaticamente leva os outros dois? hum... bom negócio...
(sem pensamentos perversos, menina!)
grande beijo!

Anônimo disse...

Caracaaa!!! Muito bom o texto, maninha! Acho q essa ideia do Cérbero eh bem interessante e acho q vc e o Heitor captaram e desenvolveram muito bem a ideia. Tudo verdade, tirando o fato q o mais deslocado eh sempre o filho do meio, no caso, EU! haha

Camila disse...

Concordo plenamente com a Nat: os caçulas sofrem mais, muito mais! Quer dizer, eu não sofri tanto assim porque meus irmãos são bem mais velhos que eu (a diferença é de 9 e 7 anos), mas né, a ideia é essa. :P

Mas adoro essa coisa de irmãos. A gente se mata, mas se ama. Eu xingo meus irmãos, eles me xingam, mas no fundo ninguém consegue viver sozinho.