Véio

20 de junho de 2011

Eu nasci.
Era 28 de maio de 1988. Século passado. Milênio passado.
Nem por isso faz tanto tempo assim.
Filha de uma dentista e de um engenheiro eletricista.
Filha de Pequeninha e Pequeninho.
Os dois com mais de trinta anos.
Os dois morando na gigantesca cidade de Clementina.
Os dois perdidinhos.
Reza a lenda que, no dia em que eu fui feita, meu pai soube que eu tinha sido feita.
Não me perguntem como...ele deve ter visto uma cegonha ou um pé de alface mais rechonchudinho, vai saber. Fato é que ele soube.
E mais, soube que era menina.
A família tirava sarro, claro.
"Como pode ter certeza de que é menina? E se nascer menino? Vai ser viado?"
Ele respondia dizendo que sabia o que tinha feito. E ponto.
Voilà, eu nasci.
Menina.
No final das contas ele sabia mesmo.
E quis o gosto musical dos meus pais que eu me chamasse Marina.
Sim, isso mesmo, meu nome vem daquela música chata "Marina-morena-Marina-você-se-pintou", que eu ouviria ao longo de toda a vida sempre que alguém quisesse me fazer uma homenagem.
Aprendi, com o tempo, a manter um sorriso quase verdadeiro quando alguém canta isso querendo me agradar.
É a vida.
Podia ser pior, se fosse só pelo meu pai eu me chamaria Marina Morena.

Brega, né?

Ainda bem que entrou em cena o bom senso da minha mãe. Bom senso ou trauma. Alguém que ganha o nome de Elizabeth DE FÁTIMA tem, no mínimo, noção de como um segundo nome pode virar um problema na vida de uma criança.
Até imagino a discussão dos dois, quanto a isso:

"Quase coloquei Marina Morena, no cartório. Quase."
"Sorte dela e sorte sua que você não colocou, ou teria que arrumar um sofá confortável em alguma casa que não fosse a minha, pra dormir."
"Ai, Pequeninha!"
"Nem ai nem meio ai, Pequeninho!"

Esse diálogo todo é invenção minha, claro.
O resto é verdade.
E Pequeninho e Pequeninha tiveram mais dois pirralhos filhinhos. André e Heitor. Sem segundos nomes.
E Pequeninho viajava muito.
Viajava tanto que a gente acabou mudando pra uma cidade mais próxima de São Paulo, pra que ele estivesse mais presente.
Durante anos, no entanto, ele não esteve.
Viajava a trabalho, às vezes por mais de uma semana, e a gente ficava com a minha mãe.
Quando ele voltava - cansado, estressado - as crianças, como toda criança, faziam bagunça. E ele ficava bravo.
A imagem do Pequeninho na família era de tio bravo. O cara que estava sempre sério. Que obrigava os sobrinhos a comerem feijão quando iam almoçar lá em casa. O carrasco.
Eu era a filha do carrasco.
E a filha do carrasco deu de arrumar namorado mais cedo do que devia. Pelo menos no conceito dele.
Acho que, por ele, eu não deveria arrumar namorados antes dos 40. Mas sou rebelde, né? Arrumei aos 16.
Já tinha ficado com outros meninos, mas, aos 16, decidi namorar sério, apresentar pra família...
Acabei enfiando o menino numa fria tremenda.
"Oi, seu Gilmar."
"Quantos anos você tem?"
"21"
"Minha filha tem 16, você não acha que ela é nova demais pra um rapaz de 21 anos, não?"
"Ah...acho que não."
"Estuda o que?"
"Não estudo."
"Por que?"
"Estou juntando um dinheiro pra faculdade"
"Trabalha em que?"
"Numa ótica."
"Mora sozinho?"
"Com a minha mãe."
"E seu pai?"
"São separados."
"Por que?"
"Oi?"
"EI, VOCÊ GOSTA DE PIZZA?"

Minha mãe entrou no meio da conversa, em caixa alta, pra parar com o interrogatório sem sentido do meu pai.
Ponto pra Pequeninha!

Por causa dessa braveza toda, nunca tive muito contato com o meu pai. A gente mantinha uma relação de respeito. Ele falava, eu obedecia, ou, se não obedecia, eu apanhava, e tava tudo certo.
Não me lembro exatamente quando foi que isso mudou.
Mas acho que foi pela época em que entrei na faculdade.
Talvez por ele ter visto que eu estava crescidinha. Talvez por ter caído da cama e batido a cabeça num belo dia de verão, meu pai passou de carrasco a melhor amigo do mundo. Do nada.
Parou de viajar tanto, resolveu conversar sobre tudo, começou a me chamar pra tomar chopps e a demonstrar muito mais carinho, em todos os sentidos.
Minha mãe diz que ele cresceu.
Meus tios dizem que ficou velho.
Eu acho é que ele descobriu que para impor respeito aos filhos não precisaria ser exageradamente rígido. Que rir não era sinônimo de dar moleza. Que aquela carranca não combinava em nada com o rosto dele - que, aliás, é idêntico ao meu.
E de pai que eu e meus irmãos respeitávamos, seu Gilmar se transformou no melhor pai do mundo, num palhaço que ri na hora certa e briga na hora certa, que aconselha como deve e fala besteira como deve, que a gente respeita sim, muito, e cada vez mais.
E hoje, dia 20 de junho de 2011, fazendo jus ao apelido de Véio, meu pai completa 53 anos.

Por toda essa história, por toda essa presença, por toda essa mudança, por tudo o que representou e representa a todos nós, seus filhos, amigos, irmãos, gostaria de dar os parabéns!
Ser o melhor pai do mundo não é pra qualquer um.
Mas eu já sabia que você seria no dia em que me fez.
Não me pergunte como.
No fim das contas, eu só sabia.

10 pitacos:

Anônimo disse...

Que linda homenagem ma!!! adorei!!!
ri mto na parte do namorado... será q é pq eu sei com quem seu pai estava se metendo?? rsrsrsrsrs
beijos!!! Saudades!

Mariana

Gilmar Reis disse...

Fiquei muito emocionado com as fotografias descritas, realmente é tudo isso e "colorido".
MUITOS BEIJOS E MUITO OBRIGADO PELO PRESENTE, ADOREI AS "FOTOS"!!!!!

Anônimo disse...

Me fez chorar de novo.
Parabéns pro Pequeninho!

Thaís

Hally disse...

Quando a pessoa sabe usar as palavras certas, o texto fica mágico. Foi o que aconteceu aqui.

Parece que eu conheço essa família há anos... =)

Parabéns pro seu Gilmar, o Véio Pequeninho!

Anônimo disse...

Nem preciso falar como admiro vc e toda sua família né? Vcs são incríveis...até eu chorei qndo li. Simplesmente vc transforma algo q seria extremamente piegas na coisa mais gratificante q um pai gostaria de ouvir (bom, pelo menos, se eu fosse pai eu amaria!) Aprendi a amar a sua família como se fosse a minha e por fim: Parabéns Pequeninho q me acolheu tão bem nessa família linda!bjos

Marina disse...

Também vivo sob a maldição do Marina Morena. Karma.

Lindo texto, Ma.
Beijos.

rodrigo disse...

Que gracinha, Má... = ) Ficou muito bom, parabéns!

Andreive disse...

Que gracinha de Marina, viu?! Ficou uma fofura seu texto! xD

Anônimo disse...

Ma...lindo como todos os outros. Senti uma invejinha muitoo boa da sua família linda e do fato de sua mãe ter tido bom senso de não te dar um nome duplo (sim, eu tenho um nome duplo..não me pergunte ql..hahaha). Gostei msm flor! Desculpa ter demorado pra comentar, estava sem tempo MESMO; mas saiba q eu li no msm dia q vc postou ;D
beijão

Nani.

Carolina disse...

Uma linda homenagem mesmo... Me vem a cabeça o trecho "naquela mesa ele juntava a gente e contava contente o que fez de manhã, e nos seus olhos era tanto brilho, que mais que seu filho, eu virei seu fã".