Não há nada no
palco além do chão, das paredes do fundo e das cortinas negras.
O público ouve o
terceiro sinal do teatro e, acomodando-se nas poltronas, silencia.
Faz-se um
instante de silêncio absoluto.
Dois instantes.
Três.
O silêncio chega
a ficar palpável.
No momento em
que as pessoas começam a se mexer e se entreolhar, desconfortáveis, uma luz
ilumina o canto direito do palco. Surge então, banhado por ela, um garoto com
um vestido de balé. Em um primeiro momento, o desconforto volta a surgir.
Pessoas se endireitam nas poltronas e algumas trocam risadinhas. O silêncio, no
entanto, volta a reinar quando o garoto caminha até o centro do palco, para, e
encara a plateia com os olhos mareados.
Ninguém sabe se
ele está emocionado ou triste.
Ele une os
braços à frente do corpo, junta os calcanhares en dehors e fica assim, parado, até que o piano toca as primeiras
notas.
O garoto leva um
dos braços sobre cabeça e, mantendo-se em ponta, eleva uma das pernas. Adágio. Sem qualquer esforço aparente,
ele impulsiona o corpo e gira como peão.
Ao piano juntam-se
violinos.
O garoto
continua sozinho.
Seus movimentos
ganham um pouco mais de corpo. Plié.
Demi-plié. Arabesque. No momento em que ele se estica com delicadeza,
violoncelos se juntam ao piano e aos violinos.
O garoto
continua sozinho.
Ele gira
novamente sobre o próprio eixo. Sempre de olhos abertos. Os olhos sempre
mareados. O palco parece diminuir a cada novo movimento do dançarino.
À orquestra junta-se o contrabaixo.
O garoto
continua sozinho.
Ele se joga ao
chão em um movimento tão fluido quanto a água e tão suave quanto a brisa.
Estica os braços em direção ao público como se estivesse sedento de algo que
não está ali, que não pertence ao balé. E apesar de a plateia não saber o que
é, sabe claramente que o que a bailarina busca está dentro dela mesma, não
fora.
Começam a soar
os fagotes.
O garoto se
estica no chão como se por ele quisesse ser tragado e, girando, ele se aproxima
outra vez da lateral direita do palco.
Ouvem-se os
oboés.
Apenas os oboés.
No teatro que,
segundos antes, estava tomado pela música, apenas o agudo instrumento de sopro
parece manter o garoto vivo. Ele se levanta de forma delicadamente brusca e se
vira para o centro do palco, totalmente vazio.
Silêncio.
Começam a rufar,
aos poucos, os tambores. Primeiro um, depois outro, depois outro. Juntam-se aos
tambores todos os outros instrumentos e, num rompante que faz a plateia prender
a respiração, o garoto corre, salta e paira no ar como se, naqueles segundos
que se fizeram eternos, voasse.
Não há mais
ninguém no palco, mas ele não está sozinho. Ele é o garoto, a bailarina, a
orquestra, a plateia, o palco. Apenas um. Mas todos. E ninguém ali ousaria
dizer o contrário.
Ele se vira,
encara a plateia e, ao ouvir a última nota da orquestra, fecha os olhos.
Pelo seu rosto,
escorre uma lágrima.
Aplausos.