Palavrão

28 de agosto de 2012

Era o primeiro dia das férias escolares e levava os três filhos para a casa da irmã, onde poderiam brincar com as primas de idade próxima. Pensava nas compras que tinha que fazer naquele dia, na correria pra chegar a tempo no trabalho, na alegria de ter três filhos inteligentes que eram elogiados pelas professoras, no marido que voltaria do Rio de Janeiro naquele dia.
A filha mais velha estava aprendendo a ler, o filho do meio estava na fase dos "porquês" e o pequeno repetia tudo que ouvia.
Virando na rua da casa da irmã havia uma escola com paredes pichadas. A filha olhou para o muro e perguntou:
- Mãe, o que é buceta?
Brecou de susto.
- O que é isso, menina?
- Não sei, ué, tava escrito no muro.
- Buceta, buceta, buceta.
- Não repete essa palavra não, menino! Ah... Ah, bom... É... Então, isso é palavrão, é um nome feio para o que as meninas têm no meio das pernas.
- O joelho?
- Não, a... A periquita.
- Periquita, periquita, periquita!
- Deixa de ser bobo, menino, para com isso.
- Mãe, por que chamam a periquita de nome feio?
- Ah, então, filho, porque tem muita gente sem educação no mundo.
- Por que?
- Porque os pais não deram educação.
- Eu posso pichar periquita em vez de buceta?
- Você não pode pichar nada!
- Por que?
- Porque pichar já é falta de educação.
- Ah...
- Periquita, periquita, periquta.
- Para com isso, menino! Já falei que não é pra ficar falando isso!
- Mas por que você falou então?
- Eu não falei!
- Falou sim...
- Ah, chegamos! Oh, comportem-se! Eu volto pra buscar vocês à noite. Tchau, filha, tchau, filho. Tchau, filho, dá beijo na mamãe. Filha, o que você vai dizer pra tia?
- Que amanhã é para as meninas irem lá em casa.
- Isso. Filho, e você?
- Que você vai fazer bolo.
- Isso, e você, filho? Filho?
Mas o caçula já havia descido do carro e corrido para dentro da casa da tia gritando a plenos pulmões:
- Buceta, buceta, buceta.

Carta aberta à minha mãe

20 de agosto de 2012

Sempre tive dificuldades de falar sobre a minha mãe.
E não pelo fato de ela ser uma pessoa difícil, extremamente inteligente ou pegar as coisas no ar.
Também por isso.
O principal motivo é que eu não saberia falar dela sem ser injusta, em algum momento, comigo ou com ela.
Minha mãe é uma fofa. Sempre foi.
Passada aquela fase em que a criança precisa da mãe pra tudo, no entanto, eu me afastei.
Afinal, todo mundo dizia que não era bom ter a mãe sempre por perto, que mães não entendem nada da vida moderna, são velhas.
Nenhuma menina tinha interesses por meninos na época, só eu, e isso ela jamais entenderia. Ou pior, entenderia, falaria que não era amor verdadeiro e tiraria sarro. Só porque eu tinha 7 anos. Ser ridicularizada pela mãe era mais do que eu podia aguentar aos 7 anos.
Nessa toada de achar que ela jamais entenderia meus dilemas adolescentes, fui me afastando cada vez mais.
Ela, pelo contrário, continuava ali presente.
Com o passar dos anos criei uma barreira das grandes. Com 15 anos achava que ela nunca me entenderia, não aceitaria meu jeito, não falaria comigo sobre coisas que a envergonhassem e que a culpa disso era toda dela.
Na cabeça dela, acho, eu era uma menina fechada demais que não contava nada pra mãe.
Como toda adolescente guiada pela sabedoria ampla dos amigos, também adolescentes, eu me ferrei.
Me meti em situações difíceis, dolorosas, complicadas e ridículas. O que não teria acontecido com um direcionamento correto.
Mesmo assim, ela estava lá quando eu fazia bobagem e me machucava. Ela cuidava das feridas.
Quando enfim cresci um pouco e percebi que minha vida seria melhor com um bom direcionamento, decidi contar tudo a ela. Tudo mesmo.
Durante anos, parei de ter problemas. O pouco que eu batia de frente com ela não afetava em nada nossa relação e proximidade. Ela sabia, eu aprendia. Pronto.
Então eu fui pra faculdade, ampliei minha visão de mundo, conheci gente, lugares, gostos e adquiri sabedoria suficiente para saber que eu ainda tinha muito o que aprender.
Nessa fase longe de casa fiz coisas que minha mãe não gostaria que eu fizesse, mas que eu queria muito fazer. Nada ilegal ou que me fizesse mal, apenas errado na maneira dela de pensar.
Ainda assim, eu voltava pra casa e contava tudo, queria conversar... Foi quando comecei a notar que ela já não recebia as notícias como antes.
Começamos a bater mais de frente pelas mais diversas situações, até que abri o jogo sobre uma situação que ela não aceitava e que, pior, não tinha motivos ou argumentos para não aceitar.
Foi quando as coisas desmoronaram.
Passei a adolescência achando que minha mãe não sabia de nada, até constatar que ela sabia de tudo.
Então, anos depois, percebi que ela sabia sim de muita coisa, mas estava longe de ser a dona da verdade.
Eu sei que é meio injusto esperar isso de alguém, mas pra mim foi duro. Queria que ela enxergasse o que estava ali estampado na cara dela.
Brigamos.
Desde a nossa última briga mais feia, uns 2 anos atrás, tenho medido o que contar a ela.
Nossa relação voltou a ser tranquila, aparentemente não temos qualquer problema.
Mas o problema é esse, a aparência. Por dentro ainda me borbulhava a vontade de fazer com que ela aceitasse algo que pra mim era normal e que, pra ela, era extremamente anormal, errado e sujo.
Parei de machucar minha mãe com as minhas verdades pra que ela também parasse de me machucar com as dela.
Desde então, como disse no começo, tem sido difícil falar da pessoa que mais amo no mundo.
E, poxa, como sinto saudade dela.
Quando as pessoas perguntam como é a minha mãe, eu sempre digo que ela é fofa.
Mas ela é mais que isso, eu sempre soube que era, só não sabia definir.
Então pra não ser injusta com ela ou comigo, não definia.

Sabe o que eu mais gosto na vida? Nas horas em que a gente está perdido as respostas surgem dos lugares mais improváveis.
Ontem eu estava na fila do cinema com o meu irmão e o meu namorado.
Uma menininha de uns 4 anos puxou minha blusa e perguntou, "Onde está a minha mãe?"
Eu disse que não sabia e perguntei como era a mãe dela.
Ela então respondeu: "Minha mãe é grandona assim e me faz carinho quando eu me machuco".
Nisso, a mãe dela a viu e a chamou e eu fiquei lá, com cara de tacho.
A menina não disse que a mãe dela era perfeita, não descreveu a cor dos cabelos ou da pele, não apontou defeitos, não disse se era magra ou gorda. Ela descreveu o que a mãe dela tinha de mais marcante e lindo.
O tamanho e a atitude.
Foi quando eu vi que era a descrição perfeita da minha mãe, uma mulher grandona o suficiente para me proteger e me fazer carinho quando me machuco.
Imperfeita sim, mas linda em todos os sentidos.
E surgiu uma vontade imensa de dizer a ela que minha atitude violenta se deu ao fato de eu não acreditar que uma pessoa especial e inteligente como ela poderia achar errado algo tão natural. Quis dizer a ela que eu estava errada, não em achar natural, mas em ser violenta com quem sempre meu deu só carinho.
Quis dizer que eu posso não ser grande como ela, mas que meus braços também são confortáveis e que eu também posso fazer carinho quando ela se machucar.
Quis dizer, enfim, que exigir a perfeição foi algo estúpido, e que me esquecer de que ela era perfeita em tudo que podia foi mais estúpido ainda.
E que eu te amo.
Apesar de toda a complicação, é simples assim.



"Um amor puro... Não sabe a força que tem"