Quem disse que cabelo não sente?

24 de fevereiro de 2012

Algumas coisas são difíceis de encontrar: trevos de quatro folhas, dinheiro esquecido no bolso da calça, entrevistador do IBOPE...
Já outras são tão difíceis, mas tão difíceis, que quando a gente encontra não abandona nunca.
Uma cabeleireira de confiança, por exemplo.
Dizem que o cabelo é a moldura do rosto. Na boa, todo mundo sabe que um quadro lindo pode ser estragado por uma moldura brega.
O lance é garantir pelo menos a moldura.
Até os 15 anos, eu ia ao cabeleireiro com a minha mãe.
Um dia, uma tia de uma amiga de uma vizinha da minha prima descobriu a Solange, uma moça que tinha um salãozinho em Itatiba.
Minha mãe decidiu conferir e descobriu que a moça era das boas. Durante um ano ela foi a nossa cabeleireira. Eu nunca ia ao salão sozinha e nem mudava o corte "mãe d'água" (como alguns amigos carinhosamente apelidaram quando viram minha foto do RG).
Um dia, no entanto, minha mãe tinha um compromisso e me deixou sozinha no salão, entregue às mãos e às tesouras da Solange.
Não tinha mais nenhuma cliente além de mim. Estávamos eu, ela, a Ju (assistente), e a manicure.
Sentei na cadeira e disse pra tirar 2 dedinhos. Ela pegou as tesouras, colocou umas presilhas no meu cabelo e começou a chorar.
É, não errei na hora de digitar não, ela não começou a cortar, começou a chorar.
Bom, a cortar também, o que me fez entrar em desespero junto com ela.
Ela chorava e cortava dois dedinhos, falava dos problemas pra assistente e repicava meu cabelo, soluçava e cortava mais cinco dedinhos. 
Eu me segurei firme na cadeira na esperança de que aquilo impedisse a ação da tesoura, mas não impediu.
Ela terminou, fez uma escova e foi ao banheiro pra lavar o rosto.
Eu me vi lá, parada, olhando boquiaberta pro espelho.
Meu cabelo estava lindo de morrer.
Depois disso ela me ganhou, é claro.
Lembro que uma vez eu cheguei ao salão com o cabelo preso e disse a ela que tinha vontade cortar curto. Ela perguntou, "Tem certeza?", eu disse que não sabia bem, sabe, talvez, mas que... Então ela pegou a tesoura, cortou fora o rabo-de-cavalo e disse, "Pronto, agora você tem certeza".
Doida?
Sim, doida de pedra!
Mas, pra variar, ela fez um corte incrível.
Com o tempo, a Solange passou a ser minha confidente, a amiga que dava pitaco nos meus namoros, que me receitava shampoos, cremes, roupas, religiões e remédios tarja preta, e o Solange's Fashion Hair virou um lugar pra relaxar e passar engraçadas tardes de sábado.
Faço visitas a ela a cada 3 meses pra dar uma retocada na juba e explico o que quero fazer de uma maneira que só ela, doida que é, consegue entender.
- Como você vai querer?
- Então... Eu gosto desse corte. Quero manter o corte, mas quero que as pessoas percebam que eu cortei o cabelo. Não é pra ficar curto, tá bonito assim, compridão. Dá uma repicada sem repicar muito, entendeu?
- Hum, você quer ficar diferente sem que eu mude o corte, diminua o comprimento ou repique mais, é isso?
- É.
- Deixa comigo!

E não é que ela consegue?

6 de fevereiro de 2012

Soltou um suspiro e se virou de lado, parte inconformada, parte decepcionada.
Não acreditava em como tinha sido ruim.
Como era possível?
Antes da cama, havia química, humor, carinho, atenção, tesão. Amor não, isso nem interessava a ela naquele momento, mas tinha todo o resto.
E agora...
Agora nada.
Horas antes, havia dito a ele - com carinha de safada - que estaria livre naquela noite.
Ele respondeu um "Ah, ok" que poderia ter servido de aviso do que iria acontecer.
Mas ela preferiu fingir que via alguma empolgação nos olhos dele, ali, escondidinha atrás do cansaço e da indiferença. Agora tinha a impressão de que, na tentativa de parecer sensual, tinha se oferecido demais.
Não dava pra saber o que dava mais raiva, se a decepção da experiência ou a insegurança em relação a si mesma.
Em sua cabeça, uma frase de desenho animado ecoava: "Eles vêm, comem e vão embora. Eles vêm, comem e vão embora". Não se lembrava nem do desenho, nem do contexto de onde isso havia saído - assistia muitos desenhos com o sobrinho de dois anos - mas se lembrava de uma formiga repetindo a frase como um mantra, encolhida de pavor.
Eles chegaram na casa dele, beberam uma taça de vinho, meio sem jeito se beijaram e se empurraram até  a cama, atrapalharam-se na hora de tirar as roupas e pá, pá, pá.
Ele gozou e foi correndo pra sala pra atender o telefone que insistentemente tocou durante os cinco minutos de sexo.
Ela ficou lá. Semi-nua e com frio.
Suspirou e se virou de lado. Sentindo que ia chorar se levantou, pôs a roupa e ficou esperando ele voltar da sala.
Ele vem, come e vai embora.
E ela?
Ela fica sozinha.



Inspirado na música Sexo (Zélia Duncan)