Oração

13 de dezembro de 2011

Queria falar, mas minhas palavras eram de ódio.
Ódio de Deus, da medicina falha, do próprio corpo humano.
Então chorei.
Chorei rios e mares. A água saía de mim e me ensopava por fora na tentativa de desafogar o que transbordava por dentro.
Ódio.
Ódio que de tão palpável poderia até ser sólido.
Mas não era sólido, era líquido.
Líquido, denso, cinzento. E me afogava.
Tive vontade de sair na rua e gritar por justiça. Berrar perguntando o Por Que. Por que com ela? Por que?
Mas achei melhor rezar baixinho.
Uma reza que escorresse dos olhos e, humilde, implorasse piedade e cura se essa fosse a Sua vontade.
Queria xingar a maldita doença.
Mas nem isso fiz, com medo.
Após o ataque de choro, o medo me consumiu e acabou por tomar o lugar do ódio.
Tornei-me só medo. Medo inteira.
Maldito medo que, apesar de exalado por todos os poros, não escorre, não desafoga, não alivia.
Quando olhei pra ela, decidi respirar fundo, entreabrir espaço no peito apertado, caçar ali dentro um sorriso perdido e me prender a ele com todas as forças.
Restavam poucas, é verdade, mas suficientes para manter o sorriso diante dela.
Maldita doença que faz o corpo se virar contra ele mesmo.
Ela sabe o quanto terá de lutar. Ela sabe o quanto corre riscos. Ela, melhor que ninguém, sabe que pode não sobreviver.
Ela não precisa de alguém que a lembre disso a cada minuto.
Por isso, não terei pena. De mim ela terá todo o amor do mundo, terá sempre luz, fé, reza e braços fortes.
Se nesse momento os braços são mais fortes que o coração, que sejam eles o apoio então.

É com você que eu estou falando.
Você aí que sempre me ouve quando rezo a noite para agradecer e pedir proteção.
Por favor, ouça esse pedido.
Que eu seja instrumento de luta e superação.
Que eu seja fortaleza pra ela se esconder nos meus braços.
Que eu seja mais que uma menina frágil diante de um obstáculo grande demais.
Que eu seja, enfim, o que ela precisar.
Hoje e sempre.

Bailes da Vida

2 de dezembro de 2011

Histeria. Choro. Sorriso besta. Falta de palavras. Garganta seca.
Quem nunca imaginou como se sentiria quando se encontrasse com seu ídolo?
Quem nunca sonhou que jantava com aquele ator?
Quem nunca quis trombar na rua com aquele cara que cantava músicas perfeitas para cada momento de sua vida?
Quem nunca?


Pois é, eu nunca.


Não que não tenha ídolos, tenho muitos, mas meus herois morreram de overdose, ou, em alguns casos, como no da citação, de aids. Ou estão velhos e provavelmente não frequentam os mesmos lugares que eu - o que impede um esbarrão acidental.
Por esses motivos, principalmente, nunca tive muito desses faniquitos de fãs.
E, bom, nunca ter pensado nisso se tornou um problema quando, por ironia do destino, acabei trombando com um dos meus ídolos na empresa onde trabalho.
Um ídolo velho, não um ídolo morto. Melhor deixar isso bem claro.
Pra quem não sabe, trabalho numa empresa de edição de audio, tradução e dublagem. Vira e mexe aparecem atores famosos, mas nenhum que inspire ataques de tietagem da minha parte - tirando o Dr. Abobrinha, claro, que tá sempre por aqui e... Ah, qual é?! É o Dr. Abobrinha, poxa vida! O maior vilão da minha infância! Merece admiração.
Enfim, no começo do ano a empresa pegou um trabalho grande de dublagem e o cliente exigiu que a voz do narrador fosse feita por ninguém mais, ninguém menos que Milton Nascimento.


Uau!


Quando soube disso, fiquei estranha.
Se misturar tudo o que citei na primeira linha do texto dá pra ter ideia do que senti quando mencionaram esse nome. Um frio engraçado na barriga. A mesma coisa que senti quando Paul McCartney cantou Eleanor Rigby no Engenhão. Não dá pra explicar.
A ordem do chefe foi clara: Ninguém fala com o Milton.
A não ser que ele falasse com alguém, mas como o cara é tímido isso obviamente não aconteceria.
Bom, falar não podia, mas ver podia, certo? Ninguém falou nada sobre ver.
Então me posicionei estrategicamente no corredor por onde ele ia passar, com um café, como se meu trabalho fosse ficar lá parada.
E, bom, ele passou. Passou em câmera lenta. A princípio pensei que fosse efeito da minha admiração, depois vi que ele andava devagar mesmo, com certa dificuldade.
A patroa passou por mim e riu, claro, porque ela, ao contrário do Milton, sabia que meu trabalho não era ficar tomando café ali no corredor com cara de paisagem. Então, sem mais nem menos, ela quebrou a regra do chefe.


- Ei, vem cá!
- Ah... Eu?
- É, vem cá. Milton, essa é a nossa tradutora mais jovem. Ela é sua fã.
(Milton não fala nada)
(Eu não falo nada)
(Patrão resolve falar) - Marina, Milton. Milton, Marina.
(Milton não fala nada)
(Eu não falo nada)
(Patrão resolve falar de novo) - Pode cumprimentar.
(Milton não fala nada)
(Eu quero falar que meus pais colocavam as músicas dele pra eu dormir, que pra mim ele era a melhor voz da música brasileira, que minha vontade era me jogar aos pés dele e agradecer por Bola de Meia, Bola de Gude, por Coração de Estudante e pela interpretação dele de Cálice. Mas só abro a boca e não falo nada)
(Patrão, desconcertado, fala de novo) - Marina, ele não morde.
(Então digo algo admirável, algo que qualquer fã pensaria em dizer ao seu ídolo)
- Não me morda, Milton.


Todos riem e eu vou embora. Só na escada paro pra pensar no que falei e tenho um ataque de riso que dura 20 minutos. Meu primeiro pensamento é: "Nunca vou contar isso pra ninguém". Mas, depois, pensando bem, é ridículo demais pra não ser compartilhado.


Se trombasse na rua com seu maior ídolo e só pudesse dizer uma coisa a ele, o que diria?
Imagino que algo diferente de "Não me morda".


Bom, pelo menos ele não me mordeu.